Teologia do Empreendedorismo

Na religião ou nos negócios, sempre tem alguém querendo salvar sua alminha. Fique espeeerrrrrrrrrrto!!!!

Marisa Sevilha Rodrigues

Na semana passada, por conta de uma terrível dor nas costas – nervo ciático, ou sei lá, ainda não tenho diagnóstico definitivo – fiz uma imersão na deep web, assistindo a vários canais do Youtube, passeando por filosofia, psicanálise, literatura (obvious), religião e, de quebra, empreendedorismo. De todas as palestras que assisti, uma, em especial, do professor de História, Leandro Karnal, me chamou muito a atenção. Aliás, eu ri muito, e pensei que ele também daria super-certo na carreira de stander-up comedy, se começasse a “empreender” isso, agora. O que, eu tenho certeza, ele não tem a menor intenção de fazê-lo. Pois foi justamente uma de suas frases sobre o assunto, que me fêz parar (bem, parar é força de expressão, eu estava deitada mesmo, porquê a dor era insana!!!), para refletir sobre ele. “Agora existe uma verdadeira teologia do empreendedorismo. “Por onde quer que andemos, tem sempre alguém tentando nos vender a idéia de que empreender é a salvação de sua vida financeira, profissional,pessoal, etcc…o empreendedorismo é a nova religião do mercado”. Concordei com ele na mesma horinha.
E voltei no tempo, há uns 20 anos. Me lembro de que nos anos 2000, a gente morria de medo dos evangelizadores, no sentido estrito da palavra, que batiam à nossa porta, tentando salvar nossas alminhas. Era um tal de receber panfletos, e-mails, telefonemas e convites, de espíritas à católicos, passando pelos incansáveis evangélicos que não podiam te ver triste ou um pouquinho só, deprimido(a), que já sacavam uma bíblia de dentro de uma bolsa ou de debaixo do braço, e vinham com a ladainha da salvação eterna, do só “Jesus salva”, do “Deus é fiel”, e por aí afora. Me aprofundando mais nas lembranças, recordo-me que fui assediadíssima, entre 1999 e 2001, época em que atravessei uma crise profunda de depressão, após ficar sem emprego, me separar, e ainda descobrir uma doença crônica, a tal da CI – Cistite Intersticial, que eu sempre cito nos meus textos, ainda que an-passant. Não necessariamente nessa mesma ordem, mas foi tudo assim: ao mesmo tempo, aqui e agora.
Visitei centros espíritas guiados por Allan Kardec, terreiros de Umbanda e Candomblé, — alguns muito sérios, outros nem tanto – assisti a vários cultos evangélicos nas Igrejas Universal e Jesus é Amor, entre outros, enfim, a busca pela cura física, espiritual e emocional, além da financeira, foi uma peregrinação, guiada pelos evangelizadores de plantão da época. Curiosamente, eis que descubro que estamos vivendo a mesma situação, agora, porém, como bem o descreve Karnal em seu speech (link do vídeo aqui), com uma verdadeira explosão da Teologia do Empreendedorismo. Derrepente, o que mais aparece em nossas timelines das redes sociais, no dia-a-a-dia, são posts com convites para cadastros em cursos, workshops, palestras e até ensino superior (MBA, Pós e que tais) sobre EMPREENDEDORISMO. E todos, sem exceção, apresentam o tema como se abrir um negócio, da noite para o dia, sem um Business Plann na mão, ou capital, ou pior ainda, sem nenhuma experiência anterior em administração, qualquer um que se atreva nessa empreitada tem 99% de chances de se dar muito, mas muito mal, mesmo.
Os novos teólogos falam sobre Empreender, com muita propriedade, sempre mostrando sofisticados cases de sucesso, evidentemente, sempre estrelados por gente jovem, culta, bonita e, course, rica. Ou vocês acham que o @Richard Vasconcellos, neto do criador da Fundação Estácio, uma das maiores redes de faculdades privadas do País, estudou em alguma escola de quinta, não aprendeu a falar inglês, e até outros idiomas, desde o berço, entre uma mamadeira e outra; nas férias, não viajava para fora do País, se é que não morou fora, pois não conheço a biografia dele, estou usando-o apenas como exemplo de pessoa bem nascida, com uma sólida formação, de base, graças a uma família muito bem estruturada, que aproveitou todo esse background e soube transformá-lo em uma carreira bem sucedida. Simples, assim. Nesse caso, não há nenhum mistério e é mesmo lindo de ver, acompanhá-lo nas mídias sociais e desejar muito estar no lugar dele.
Mas, porém todavia, entretanto, não existe almoço grátis. Nem na economia, nem no empreendedorismo, nem na vida. Ou você nasceu em berço esplêndido e seus progenitores souberam investir na sua educação e formação, souberam priorizar isso, mesmo que não tenham sido, eles próprios, empreendedores ou herdeiros de sucesso, ou vai ter que comer muito, mas muito arroz-com-feijão, desde criança, por sua conta e risco, para apenas conseguir sobreviver, nesse País onde as oportunidades aos jovens são mínimas, e começam, por não oferecer-lhes, gratuitamente, uma educação de alto nível. Mesmo que os pais se matem de trabalhar, para colocar seus filhos em escolas particulares, quando chegarem à idade de bater à porta das faculdades, as públicas, estarão fechadas para eles. E as particulares, serão muito caras. E seus pais já estarão velhos ou doentes, ou desempregados, ou os três, para conseguirem mantê-los estudando em boas escolas, já na graduação. O funil se estreitará terrivelmente, se a pretensão for por uma pós-paga, pois bolsas nas escolas públicas são reservadas para os oriundos das escolas particulares, o que faz com quê exista uma inversão cruel de valores, no universo da educação no Brasil, desde os tempos coloniais, até hoje.
A expressão “Teologia do Empreendedorismo”, dita pelo genial Leandro Karnal resumiu tudo o que eu já pensava, intuía ou sentia sobre o assunto, mas ainda não tinha conseguido formular uma opinião concreta, à respeito, o que me leva a crer que 99,9% dos tais cursos, palestras, WS ou eventos nessa área, são negócios caça-níqueis, que tentam iludir os jovens, entre 20 e 40 anos, na sua maioria, em busca do primeiro emprego, ou até do primeiro estágio – o que também já é uma tarefa hercúlea – ou já desempregados, e muito provavelmente com famílias para sustentar, portanto, desesperados por uma chance no mercado de trabalho, e aí, vêm alguma luz no fim do túnel com o tal do empreendedorismo, que lhes é vendido como a suprema salvação, para todos os seus problemas financeiros. Muitas dessas pessoas, iludidas com tanta glamourização em torno do tema, acabam investindo suas últimas economias em negócios fadados ao fracasso logo nos seis primeiros meses, pois se metem nessa enrascada por absoluta falta de possibilidade no mercado formal de trabalho, que, sim, todos sabemos, torna-se cada dia mais escasso, não só no Brasil, como no mundo todo. Mas não é entrando para as “seitas” do empreendedorismo pernóstico, que irão salvar suas carreiras, contas bancárias, e por fim, suas próprias vidas da débacle.
Não escrevi, em nenhum momento deste texto, que as pessoas, independentemente do momento em que estejam em suas jornadas profissionais, não devam estudar mais, capacitar-se sempre, mergulhar em cursos, expandir seus horizontes com viagens e intercâmbios, etc…etc…etc…eu, pessoalmente, fiz, e continuo fazendo tudo isso, dentro das minhas sempre parcas possibilidades, pois uma hora, você tem dinheiro para investir em quaisquer dessas oportunidades, mas não tem tempo. Em outro momento, tem tempo, mas não tem dinheiro. E assim, passam-se os anos. O que estou tentando mostrar aos mais jovens, já do alto da minha experiência como jornalista, que depois tornou-se assessora de imprensa, abriu três agências, virou multimídia, teve uma produtora de vídeos, participou da formatação de dois canais de televisão brasileiros, tem uma editora, um selo literário, edita coleções de ebooks, e ainda tem um portal voltado para o agronegócio, e até hoje, não conseguiu ir nem para a Disney (KaKaKa), é que não existe receita de bôlo para ganhar dinheiro, sem trabalho, muiiiiiiiiiiiiiiiito trabalho, disciplina, criatividade, saúde (ah, SAÚDE), — vou voltar aqui para falar sobre Saúde no Trabalho – ginástica, alimentação balanceada, qualidade de sono, família equilibrada a sua volta, e até sexo (responsável e com camisinha), para que tuuuudo possa fluir na direção certa, e seu investimento num negócio ou em vários, como é o meu caso, acabem valendo à pena.
Meu conselho é que fujam dos tais teólogos do empreendedorismo e invistam mais em psicanálise. Essa, sim, dá garantia de sucesso mental, o que é requisito número um para viver uma vida plena, saudável e feliz. Mesmo que a conta bancária não seja das mais recheadas e que o seu passaporte não esteja repleto de carimbos, pelos lugares mais exóticos do mundo, ou que você não tenha uma cobertura na avenida Faria Lima, como outro dia ouvi de uma colaboradora, que ainda não saiu dessa vibe, me dizer que era o mínimo que eu deveria ter, para justificar tanto trabalho e investimento em negócios, durante toda a minha vida toda.
Ainda bem que, com a ajuda do Karnal, cheguei à uma conclusão bem diferente da dela. E isso faz muita diferença prá mim, e me traz muita paz.
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Marisa Sevilha Rodrigues é formada em Letras, pela Unesp, campus de Assis- SP, e em Comunicação Social pela Fundação Educacional Cásper Líbero. Como jornalista, atuou em diversos veículos do mainstream, como Folha de São Paulo, Editora Abril e Grupo DCI, entre outros, ocupando os cargos de repórter, redatora e editora.. Em 1996, abriu seu primeiro negócio, a Activa Assessoria de Imprensa, que em 2002, se transformaria na Activa Press & Associados, ampliando sua atuação, dentro do leque da própria comunicação, como Relações Públicas, Projetos Editoriais e para a Internet, e Publicidade; no mesmo período, inaugurou, entre 1998 e 2000, a Activa Produção de Vídeos. Em 2008, criou e fundou o portal Boi a Pasto, www.boiapasto.com.br, e a agência Taxi Blue Comunicação Estratégica e Inteligente, www.taxiblue.com.br, com um braço para a edição literária, sendo autora do selo Prato de Cerejas e curadora de duas edições de coleções de ebooks, em parceria com a editora e-galaxia, do editor e também, autor, Tiago Ferro. Avisa geral que adoooora empreender, mas que não vê nenhum glamour nisso. Apenas, paixão incondicional pelo trabalho, mesmo.

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