TARCÍSIO MEIRA:O NOSSO HIGLANDER DOS PALCOS BRASILEIROS DEIXOU-NOS ORFÃOS NESSA QUINTA-FEIRA, 12/08 DE SUA BELEZA, DE SUA ARTE E DE SUA CIDADANIA

Tarcísio Meira no papel de João Coragem, novela de 1970 de Ivani Ribeiro

Marisa Sevilha Rodrigues

Nunca vou me esquecer do dia em que os meus olhos se encontraram com os olhos de ninguém menos que…Tarcísio Meira. Eu estava descendo as escadas do bar Spazio Pirandello, reduto dos artistas na rua Augusta em São Paulo, na década de 80, para ir ao andar de baixo onde ficavam as toaletes e, também, uma livraria, que era minha paixão. Nunca conseguia sair de lá sem um livro especial, que não acharia em nenhum outro lugar, e ainda, de quebra, jantar o meu prato preferido: Frango a Isadora Duncan. Mas essa já é outra estória. Tarcísio, já entrado nos seus cincoenta e poucos anos, parecia um deus. Subiu as escadas vagarosamente, me olhando e sorrindo como se ele me conhecesse de outras encarnações, de tanto que era profundo e brilhava o seu olhar, e eu simplesmente parei no alto, para aguardá-lo subir, enquanto mergulhava naquela visão que parecia ter saído de um conto de fadas. Foi um encontro mágico, que até agora, mais de 30 anos depois, quando me recordo desse episódio, as lágrimas me enchem os olhos, embora os lábios esbocem um sorriso de alegria, gratidão, felicidade. Imagino que fosse isso que ele espalhava ao seu redor, nos sets de filmagens de novelas, filmes ou bastidores de tantas peças teatrais. Segundo sua biografia, parece que foram 22, e eu só lamento nunca ter ido ver nenhuma.

Tarcisio Meira em Irmãos Coragem, novela que parou o Brasil na déacada de 70

Nessa época eu era estudante universitária de Comunicação Social na Fundação Cásper Líbero e já trabalhava como repórter na Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado da Promoção Social. Junto com meu marido,o arquiteto Wagner Amodeo, não ganhávamos nem dois mil reais, equivalente à moeda da época, que se desvalorizava a 80% ao mês, em tempos de inflação altíssima. Portanto, os nossos salários juntos mal davam para pagarmos o aluguel de um apezinho de um quarto na rua da Consolação, IPTU, plano de saúde, dos quais não abríamos mão, pois pautávamos nosso estilo de vida pela qualidade da moradia, em primeiro lugar, saúde e educação. E aí fazíamos a maior ginástica para as outras despesas até o final do mês, como supermercado, transporte, e muito de vez em quando, um jantar desses no Pirandello, que hoje, reconheço, fêz parte das nossas melhores escolhas culturais, gastronômicas e sociais, pois são memórias inesquecíveis que levaremos para a eternidade, conosco.

Tarcísio meira como Dom Jerônimo, em A Muralha, junto com Letícia Sabatella

E conto-lhes tudo isso, para justificar porque não ter ido ao teatro ver uma apresentação do Tarcísio, como também nunca fui a uma peça do Ney Latorraca, que contracena com ele na minissérie Um Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, nem sequer do Paulo Autran, e de nenhum dos monstros sagrados que já habitaram nossos palcos. Isso corta o meu coração, pois embora tenha tentado preencher este espaço com livros, filmes, série e até novelas – era impossível não assistir a uma novela em que Tarcísio  Meira fizesse parte do elenco – perdi a oportunidade única de ver em carne e osso esses artistas que são tão mortais como nós — infelizmente – mas que, sem dúvida nenhuma, com seus trabalhos incríveis, primorosos, deliciosos, encheram a nossa vida de esperanças além de significarem resistência ao retrocesso, à ditadura, à falta de liberdade, em tempo integral, sempre nos lembrando do nosso papel social, de cidadãos responsáveis pela nossa democracia,  mesmo como espectadores.

Tarcisio Meira beija NeyLatorraca na minissérie O Beijno no Asfalto de Nelson Rodrigues

Ainda em relação ao Tarcísio, me lembro também como se fosse hoje: eu, com apenas nove anos de idade, passando férias em Assis, no interior de São Paulo, na casa de uns tios, na década de 70, que ainda não tinham televisão em casa, e eu era carregada por minha prima Célia, já adolescente, para a casa de uns vizinhos, só para assistir Irmãos Coragem. O Brasil parava para assistir essa novela. Eu confesso que não entendia nada da trama, mesmo porque comecei a assisti-la já adiantada em alguns capítulos, mas ia só para ver aquele homem linnnnnnnnnnndo na telinha. Tão criança ainda, não tinha nem entrado na puberdade, mas já sabia identificar o que era uma beleza masculina, e a do Tarcísio era perfeita. O homem tinha sido desenhado por Deus nos mínimos detalhes, impossível existir outro mais bonito, em qualquer canto do mundo. Hollywood teria se apaixonado por ele e caído aos seus pés, se ele um dia ele tivesse tido a pretensão de ir pisar naqueles estúdios americanos. Mas Tarcísio mostrou ao longo de seus 85 anos e quase 70 anos de carreira, que era acima de tudo, um brasileiro. Um grande e esperançoso brasileiro.

Nunca deixou o Brasil, nem deixou os palcos da tevê, do teatro e do cinema. Só de longas, foram 22 filmes. Impossível não ter gritado junto com ele Independência ou Morte, no filme de mesmo nome, onde ele interpretou com veemência e galhardia D. Pedro I, também ele um dos personagens mais emblemáticos da nossa história e por quem confesso outra paixão, a minha segunda, depois do meu pai: sou fã desde criancinha e leio tudo sobre sua vida, suas loucuras por amor às mulheres, e também pelo nosso País.  Tarcísio Meira no papel de D. Pedro I foi overdose de paixão de uma menina de uns 15 anos, que era louca pelos dois, sem nunca os ter conhecido, ou sequer visto-os, pessoalmente. Não importa. Os amores verdadeiros perpassam o tempo de várias encarnações, encontram-se por alguns segundos, como na tela do cinema ou naquele lance de escadas.

E são para a eternidade.

Vá com Deus highlander Tarcísio Meira. Não tenho a menor dúvida que se existir céu, você terá um lugar de honra, lá, apesar de tantas lições de humildade que nos passou, só com o seu sorriso e o seu olhar, durante sua linda trajetória aqui nesteplanetinha. Obrigada por ter escolhido nascer no aqui. E volte logo. Espíritos de luz como o seu são muito poucos, por isso precisamos muito deles por perto. Te amo e amarei para todo o sempre. E olhe lá de cima por sua Glória Menezes, para que ela suporte sua partida, pois sabemos que não será fácil aguentar a perda do grande amor de sua vida. Não será.

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